O budismo é a religião que mais cresce nos países ocidentais nas últimas décadas. Surgido na Índia há 2500 anos, muitas de suas ideias hoje são defendidas pela ciência, a medicina e a psicologia modernas
Por Luis PellegriniMuita gente célebre virou budista. Casos notórios de estrelas como o ator Richard Gere, a cantora Tina Turner, o músico Jean Michel Jarre, publicamente convertidos, parecem constituir apenas a ponta de um iceberg, cujas verdadeiras dimensões ainda permanecem submersas.
O budismo é a religião que mais cresce no Ocidente nas últimas décadas. Por que ele faz tanto sucesso no mundo moderno da tecnologia, da produtividade e do consumismo? Para começar, o budismo recusa definir a si próprio como religião. Prefere o termo “filosofia de vida”. Embora criado no século 5 antes de Cristo por um príncipe do norte da Índia, Sidarta Gautama, o conceito de base dessa filosofia é idêntico ao da ciência e da psicologia modernas: a idéia do holismo. Holismo vem do grego holos, “totalidade”. Significa que no universo nada existe separado do todo; há uma unidade essencial de todas as coisas; o homem é parte dessa unidade; não é possível qualquer mudança numa parte sem que o todo não seja também afetado; da mesma forma, qualquer mudança no todo afetará cada uma das suas partes.
A modernidade do budismo não termina aí. Sua doutrina afirma que a única possibilidade de se chegar à plenitude, de se conquistar uma relativa felicidade, é “cair na real”. É compreender e aceitar a realidade como ela é, no aqui-agora. Ao contrário da maioria das religiões, paraísos fantasiosos, soluções mágicas para os problemas, esperanças de uma existência melhor após a morte, não fazem parte da visão budista.
Assumir a realidade, por mais dura e difícil que ela seja, é o primeiro passo que o budismo aconselha para quem deseja viver melhor. Boa ilustração disso é o episódio da vida de Sidarta Gautama que assinala a origem da sua aventura espiritual. Tudo começou, segundo a lenda, quando ele, com quase trinta anos, decidiu sair pela primeira vez do palácio de seu pai para conhecer o mundo. Sidarta era casado com uma linda mulher e tinha um filho pequeno. Seu pai, rajá da tribo dos Sakya, desde o nascimento o proibira de ultrapassar os muros do palácio, sob o pretexto de poupá-lo da visão de qualquer miséria. Por isso, Sidarta desfrutara ao máximo de uma vida de luxos e prazeres mundanos.
Um dia, Sidarta desobedeceu às ordens do pai. Passou pelos pórticos do palácio e aventurou-se na cidade ao redor. Cruzou com um velho, um doente e um morto - três situações humanas totalmente desconhecidas para ele. Esses encontros o fizeram despertar para uma consciência nova: o sofrimento de toda a humanidade, e a inevitável finitude de tudo aquilo que existe. O destino do jovem príncipe estava selado: ele decidiu dedicar a vida à descoberta dos meios que conduzem à liberação do sofrimento.
Pouco depois Sidarta abandonou para sempre o palácio real, deixando a família e abdicando da sua condição de herdeiro do trono. Partiu sozinho numa longa caminhada . Encontrou muitos mestres espirituais e filósofos eruditos. Estudou com eles e praticou seus métodos, mas não ficou satisfeito. Embrenhou-se numa floresta e viveu alguns anos como iogue eremita, empenhado em tremendas práticas ascéticas destinadas a proporcionar-lhe o controle sobre a mente e o corpo. O resultado foi um corpo extremamente enfraquecido, e a mente abatida. Ele então entendeu que o controle da mente e do corpo por si só não proporcionava a liberação. Longe disso, ele se deu conta de que o corpo era um dos seus aliados mais preciosos, não devendo ser maltratado com práticas ascéticas nem com excessivas concessões aos sentidos.
Essa tomada de consciência aconteceu quando Sidarta, exausto e combalido, ouviu ao longe um professor de música dizer a um jovem aluno que tentava afinar a corda do seu instrumento: “Se apertar demais, a corda arrebenta; se deixá-la frouxa, não produzirá nenhum som”.
Sidarta estremeceu ao reconhecer a verdade universal contida naquele conselho. Era ele mesmo aquela corda musical que, para produzir o som perfeito, não poderia estar demasiado frouxa nem esticada em excesso. Havia um ponto ideal e exato entre esses dois extremos, o ponto de equilíbrio entre tensão e relaxamento, sem o que o som puro não podia se manifestar. Naquele instante nasceu em Sidarta a consciência do equilíbrio. E a partir dela ele formulou, pouco depois, a sua “Doutrina do Caminho do Meio”. A doutrina fio de navalha que conduz ao nirvana - a extinção de todo sofrimento e de toda dualidade, objetivo último de toda a prática budista.
A consciência do equilíbrio fez Sidarta abandonar o caminho mortificante da autonegação e entrar no Caminho do Meio. Alimentou-se, banhou-se, vestiu roupas limpas. Sentou-se depois sob uma grande árvore e descobriu, enfim, o que queria: num repente de esclarecimento atingiu a iluminação, a verdade viva que buscava. Naquele instante, Sidarta tornou-se um Buda, que significa um “desperto”. Todo o resto de sua vida foi dedicado ao desenvolvimento e ao ensino da sua filosofia da moderação.
Esta é a lenda de Sidarta Gautama, o Buda. Qual é a mensagem que ele legou ao mundo? Antes de tudo, que cada ser humano tem a capacidade de atingir a iluminação e tornar-se um Buda. Mas isso depende dele mesmo, e não há força ou ajuda externa capaz de fazer isso por ele: “O homem é seu próprio mestre, e não existe ser ou força superior que se ponha como juiz do seu destino”, disse o Buda. Ele preconiza uma busca que acontece dentro da própria pessoa, uma sintonia com aquela “voz interior” que fala no mais profundo de cada um de nós. Essa voz, para o budismo, é a do discernimento: a capacidade intrínseca da consciência humana capaz de distinguir o que é certo do que é errado. Por isso, a crença cega é abominada pelo budismo. Somos nossa própria autoridade na busca espiritual. Não existe verdade revelada nem escritura sagrada, não existe dogma nem salvador. Tudo depende de nós mesmos.
Embora seja uma das religiões do mundo com maior número de adeptos, os valores essenciais do budismo são muito simples. Já em seu primeiro sermão, Buda expôs as Quatro Verdades Nobres, que são: 1) Toda a vida é sofrimento; 2) A origem do sofrimento são os desejos egoístas, os sentimentos do ódio e da raiva, os apegos de qualquer tipo; 3) A extinção do sofrimento é obtida pela cessação dos desejos egoístas, dos ódios e dos apegos; 4) O caminho que conduz à libertação do sofrimento é o Nobre Caminho Óctuplo.
Desse Caminho fazem parte uma série de regras teóricas e práticas, de tipo psicológico para a educação da psique; de tipo mental para desenvolver a disciplina da mente; de tipo ético, para aprimorar a conduta moral. Essas regras, devidamente aplicadas, conduzem a uma vida equilibrada e harmoniosa, e finalmente à libertação do sofrimento e à iluminação espiritual.
Acima, porém, de todas as regras, o valor máximo para o budismo é o amor. Sentimento supremo que, particularmente nas escolas mahayana do budismo (as escolas desenvolvidas principalmente no norte da Índia, no Tibete, China e Japão), manifesta-se na forma da compaixão. Sem a vivência do amor compassivo - em primeiro lugar pela nossa própria pessoa, e a seguir por todas as criaturas vivas -, todas as demais virtudes ficam destituídas de força e sentido. Diferente do amor passional, que exige um objeto preciso para ser direcionado, o amor compassivo tende a levar a pessoa a um permanente e difuso sentimento de amor por tudo aquilo que existe. A conquista desse estado amoroso difuso é sinal de que estamos nos aproximando do self.
Como desenvolver o amor compassivo? Pelos métodos práticos da meditação: um estado particular da consciência no qual somos inteiramente donos de nós mesmos, com controle total dos nossos pensamentos, emoções e sentimentos, e das nossas ações corporais. A meditação leva ao autoconhecimento que, por sua vez, faz desabrochar em nós a compaixão.
A meditação é um processo mental ativo. O meditador aprende, pouco a pouco, a dominar a sua mente tagarela, onde os pensamentos se sucedem uns aos outros, se amontoam, começam e não terminam, acarretando um grande desgaste de energia mental. Por outro lado, o sábio hindu Patanjali, que escreveu há muitos séculos o Ioga Sutra, o mais importante tratado sobre meditação produzido até hoje, diz que “meditação é a contínua e prolongada corrente de pensamento dirigida a um objeto determinado, até chegar a se absorver nele”. Em outras palavras, Patanjali quer dizer que o meditador direciona e fixa toda a sua atenção sobre um objeto como se o seu pensamento fosse um raio laser luminoso, concentra-se nele de modo contínuo, sem permitir que nada interrompa essa concentração, até chegar ao verdadeiro objetivo da meditação: fundir-se de tal forma ao objeto de modo a que não mais exista nenhuma diferença entre ele, meditador, e o objeto sobre o qual medita. Para o budismo, quem consegue dominar a própria mente, domina tudo o mais, inclusive a vida e o mundo.
As formas de meditação budista
No budismo existem duas formas principais de meditação: a) meditações estáticas; b) meditações dinâmicas. Nas primeiras, o meditador permanece quieto, parado, sem nenhum movimento corporal; apenas a sua mente se move, como uma flecha que o arqueiro dispara e que voa certeira em direção ao alvo - a imagem ou a idéia sobre a qual se medita. Nas segundas, as dinâmicas, o meditador não precisa bloquear os movimentos corporais. Exemplos dessas meditações são certas artes marciais como o tai-chi-chuan, certos exercícios físicos como os da hatha-ioga, certas danças sagradas como as danças rituais do nosso candomblé e umbanda. Mas qualquer atividade humana - cozinhar, bordar, escrever ou cuidar das plantas - pode ser uma meditação verdadeira se for praticada com a consciência bem desperta, e com o coração limpo e amoroso como aquele das crianças.
Lembre-se que tanto no caso das meditações budistas estáticas, quanto no das dinâmicas, quer-se chegar primeiro a um estado de relaxamento profundo - quase que uma suspensão dos movimentos desordenados do corpo, das emoções e da mente. Esse estado, por si só, acarreta uma série de benefícios aos corpos físico, psíquico e mental, e é um primeiro patamar para a prática de exercícios mais complicados que necessitam de instrutores competentes. Há contudo formas básicas de meditação que você pode experimentar agora, sem depender de um instrutor.
Primeiro, sente-se numa posição confortável, numa cadeira também confortável, num cantinho calmo e silencioso. Cuide para não ser perturbada nem interrompida durante pelo menos quinze minutos. É melhor que seus pés fiquem pousados no chão e suas mãos bem relaxadas sobre o colo. A roupa também é importante: deve ser solta e larga.
Agora, feche com suavidade os olhos e relaxe o corpo por completo. Faça isso aos poucos, começando pelos dedos dos pés, e subindo até chegar à cabeça.
Respire profundamente pelo nariz, concentrando-se, até que a respiração se torne suave e regular. Se começar a divagar, traga sua atenção de volta para a respiração.
Esvazie sua cabeça de todo e qualquer pensamento. Uma forma de fazê-lo é dirigir a atenção para um ponto de seu corpo, como a testa, o cotovelo ou algum dedo dos pés ou das mãos. Mantenha sua atenção concentrada nesse lugar. A respiração vai se tornar quase imperceptível.
Fique nesse relaxamento, com a mente vazia, por quinze ou vinte minutos. Depois, abra devagar os olhos e saia gradualmente desse estado. Procure se deliciar com essa tranqüilidade durante alguns minutos. Então, levante-se lentamente, esticando o corpo da cabeça aos pés, como quem se espreguiça. Esse simples exercício de meditação, quando bem feito, pode dar o mesmo resultado de um dia inteiro de agradável descanso.
Sabedoria budista
1. “O mundo, o mundo do dia-a-dia, parece caótico ou pacífico, feio ou belo, dependendo da nossa mente. Fazemos o mundo do jeito que desejamos fazê-lo em nossa mente. Uma mente feia e nervosa não consegue ver beleza e paz no mundo. É como ver o mundo através de lentes coloridas. Quando tiramos as lentes coloridas, veremos o mundo e as coisas tais como realmente são. Ver as coisas tais como elas são e compreender as coisas tais como elas são é a chave para o nirvana. O nirvana é o conteúdo da iluminação”, Gyomay Kubose.
2. “A personalidade é uma ilusão, e não há no mundo nem vício nem pecado que não derive da afirmação da personalidade”, Iogue Kharishnanda.
3. “Dez coisas tornam más as ações dos homens. Três são os pecados do corpo, quatro os da língua e três os da alma. Os três pecados do corpo são: o homicídio, o roubo, o adultério. Os quatro da língua são: a mentira, a calúnia, a injúria, as palavras ociosas. Os três pecados da alma são: a avareza, o ódio, o erro”, Gautama Buda
4. “O trabalho é vida, a preguiça é morte. Quem trabalha está sempre vivo. O preguiçoso, mesmo que viva, está morto”, Iogue Kharishnanda
5. “Procure estar atento e deixe que as coisas sigam o seu curso natural. Então a sua mente se manterá serena em qualquer circunstância, como uma tranquila lagoa na floresta”, Achaan Shah
6. “É você mesmo quem deve caminhar; o Buda apenas aponta-lhe o caminho”, Bhikku Mangalo
7. “Não corra atrás do passado, nem busque pelo futuro; o passado se foi e o futuro ainda não veio. Observe, porém, com clareza, aquilo que existe agora, e então você vai descobrir e vivenciar um estado de mente silencioso e imóvel”, Gautama Buda
8. “Uma única natureza contem todas as naturezas; uma única existência inclui todas as existências. Uma única Lua se reflete em todas as águas, e todos os reflexos da Lua nas águas provêm de uma única Lua”, Yoka Daishi
9. “Se um homem em batalha conquista milhares, e outro homem conquista a si próprio, a vitória deste será maior”, Gautama Buda
10. “Esvazia o barco: vazio, ele se moverá mais rápido. Deixa para trás a paixão e o ódio, e navega para o nirvana”, Gautama Buda
11. “O que somos nasce do que pensamos, é feito de nossos pensamentos. Se um homem fala ou age com maus pensamentos em seu coração, o sofrimento o seguirá como a roda segue o animal que puxa a carroça”, Gautama Buda
12. “Subhuti perguntou a Buda: Quando atingiste a iluminação ganhaste alguma coisa? Nada, respondeu Buda. Esse é o motivo pelo qual isso é chamado de iluminação”
13. “A vida e a morte não são boas nem más, feias ou bonitas; apenas são tais como são - ou tais como você as vê. Todos nós apreciamos o desabrochar da primavera e o verde suave do verão. Mas, acaso também não são belas as douradas folhas mortas do outono? As folhas do outono são mais poéticas que o verde do verão. A primavera é romântica, mas o outono é sereno e meditativo”, Gyomay Kubose
Mais info: cbb.bodhimandala.com
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